quarta-feira, 25 de novembro de 2009

O lixo e o "trocadilo"

Lendo a reportagem de Carta Capital intitulada "Por trás das pirâmides, lixo" não pude deixar de lembrar de duas obras cinematográficas documentais que abordam o tema da relação do lixo com o ser humano: Estamira (Marcos Prado, 2005) e Boca de Lixo (Eduardo Coutinho, 1992).

A matéria atenta para a dificuldade dos Zabbalin, grupo minoritário cristão, que reside na chamada "Cidade do Lixo" a cerca de 20km de Cairo. Além das dificuldades de convivência religiosa (no Cairo a maioria da população é muçulmana), os Zabbalin enfrentam um problema de ordem social: são responsáveis por cerca de 60% de todo o lixo produzido pela cidade, mas não recebem absolutamente nada do governo. Os últimos tempos foram ainda mais difíceis, devido à gripe suína, o governo egípcio mandou sacrificar todos os porcos do país. A atitude foi encarada como uma provocação e piorou a situação dos Zaballin, já que os porcos ajudavam na reciclagem dos alimentos orgânicos.

A falta de reconhecimento por aqueles que fazem do lixo seu modo de vida foi representado nos filmes Estamira e Boca de Lixo.

Estamira enxerga o mundo, o tempo, e firma sua identidade no meio do resto da obra de todos os homens - o lixo. Sabe diferenciar o que é lixo e o que é "descuido", o "lúcido" do "ciente" e afirma: "a culpa é do esperto ao contrário". Cria sua própria filosofia de vida para entender a vida, não para explicá-la, afinal, "ninguém pode viver sem ela".

Tentam se explicar também, porém de outra maneira, os moradores do Vazadouro de Itaoca, cenário do filme Boca de Lixo. No primeiro momento cobrem as faces das cameras e bradam aos ventos o orgulho de trabalhar em meio aos dejetos. Num segundo momento somos surpreendidos por alguns depoimentos que "quebram" os quadros anteriores. O "orgulho do ser", na verdade, tem valor representativo. Com câmera em publico, os moradores agem como se estivem num teatro e suas falas são expressões que buscam aprovação de conduta com os demais moradores. Em suma, projetam uma imagem que acreditam ser a imagem aceita e aprovada pelos demais companheiros.

Quando o cineasta busca os moradores em suas casas podemos perceber a mudança no discurso: admitem que muita gente está ali porque nao quer trabalhar, adimitem que comem o lixo assim como os animais e assim por diante. A representação do "outro eu" pode ser reparada e faz parte da constituição de cada indivíduo.

Assim como os zabbalin, que buscam dois tipos de reconhecimento - o religioso e o humano - os moradores de Itaoca buscam reconhecimento, pelo menos, em frente às câmeras.

Um comentário:

  1. Muito bom, Priscilla!
    Somos todos responsáveis pelo lixo produzido e pela ganância e violência promovida contra nossos semelhantes.
    Tenho vergonha por não conseguir impedir as injustiças... faço pouco, o que me torna co-responsável.

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